
Não é todos os dias que uma ditadura cai… num ambiente de festa e de ramos vermelhos ! E, no entanto, Portugal conseguiu esse feito. No dia 25 de abril de 1974, enquanto a Europa acordava calmamente, Lisboa vibrava ao som de uma canção Grândola, Vila Morena e ao perfume de um símbolo que se tornaria imortal : o cravo vermelho. Mas antes de chegar a essa imagem icónica, soldados armados, um cravo na ponta do fuzil, sorrisos, lágrimas e um povo que finalmente ousa respirar, é preciso rebobinar um pouco…
O contexto : um país sem fôlego
Nessa altura, Portugal ainda vivia sob a ditadura do Estado Novo, instaurada por Salazar (e continuada pelo seu sucessor, Marcelo Caetano). Um regime autoritário, parado no tempo, que mantinha o país sob vigilância constante : sem liberdade de expressão, com uma polícia política omnipresente (a temida PIDE), guerras coloniais intermináveis em África e uma economia… digamos, exausta.
A juventude portuguesa, sobretudo os soldados enviados para combater em colónias como Angola ou Moçambique, já não aguentava mais. E, como tantas vezes acontece na história, quando o povo não pode falar, são os militares que acabam por o fazer.
24 de abril, 22h55 : a canção que desencadeou tudo
O mais bonito desta revolução é que começou com… música. (Sim, a sério ! Nada de tanques ou tiros : apenas uma canção na rádio.) O sinal para o golpe de Estado não foi dado por mensagens codificadas à la James Bond, mas por duas músicas transmitidas na rádio. Primeiro, E Depois do Adeus, às 22h55, uma canção popular escolhida exatamente porque não levantaria suspeitas da censura. Depois, à meia-noite e vinte, Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso, uma canção proibida, símbolo de fraternidade e igualdade.
Quando esta última ecoou nas ondas da Rádio Renascença, foi o sinal : os militares avançaram. (Convenhamos, é bem mais poético do que uma mensagem “operação lançada” no WhatsApp !)
A madrugada de 25 de abril : Lisboa desperta
Os tanques avançam para a capital, mas, ao contrário de outras revoluções sangrentas, aqui… não há tiros, não há caos. Os civis juntam-se aos soldados, encorajam-nos, cantam, gritam, choram. E é aí que entra em cena Céleste Caeiro : a mulher do cravo !
Empregada num restaurante, devia nesse dia distribuir flores aos clientes para celebrar o aniversário do estabelecimento. Mas o restaurante fechou devido aos acontecimentos. Então Céleste, com os braços cheios de cravos vermelhos, cruza-se com os soldados e oferece-lhes espontaneamente as flores em sinal de apoio. Eles colocam-nas nos canos das armas. E pronto ! Em poucos minutos, a revolução encontrou o seu símbolo : a doçura perante a força, a liberdade que não mata, mas floresce. (E, convenhamos, ninguém teria apostado que um ramo de cravos se tornaria mais famoso do que um tanque de guerra.)

Uma revolução sem banho de sangue
É muitas vezes chamada de “a revolução mais pacífica do século XX”. Houve alguns confrontos, é verdade, mas nada comparável à violência habitual das revoluções. Em poucas horas, o governo de Marcelo Caetano cai. A ditadura chega ao fim. O povo invade as ruas, as praças, as varandas. Lisboa transforma-se numa festa. As pessoas abraçam-se, cantam, dançam. Distribuem-se cravos como quem distribui esperança.
E é bonito, porque tudo o que tinha sido proibido, falar, sonhar, cantar, renasce de repente !
O pós-revolução : liberdade, caos e reconstrução
Os meses seguintes não foram fáceis (sim, a liberdade tem o seu preço !). O país teve de se reinventar : uma nova Constituição, o fim das guerras coloniais, a independência das antigas colónias, e os primeiros passos de uma democracia ainda frágil. Mas Portugal conseguiu, com paciência e coragem.
E, sobretudo, com a convicção gravada na sua identidade : a liberdade pode florescer mesmo depois de quarenta anos de inverno político.
Porque é que esta história continua mágica hoje ?
Porque o 25 de abril não é apenas uma data : é uma lição de humanidade. Um lembrete de que a suavidade pode vencer o medo, que a música pode libertar um povo, e que um simples gesto (uma mulher a oferecer uma flor a um soldado) pode mudar o curso da História. Todos os anos, em Portugal, este dia é celebrado com concertos, desfiles, discursos e, claro… cravos vermelhos. Nos casacos, no cabelo, nas ruas.
Por isso, se um dia estiverem em Lisboa a 25 de abril, olhem à vossa volta : as pessoas sorriem um pouco mais, cantam um pouco mais alto, e no ar sente-se esse perfume único da liberdade. E pensem em Céleste, a empregada que transformou um dia de revolução numa festa do coração !
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