
Porto, numa noite de 24 de junho… O ar cheira a sardinha assada, as grinaldas coloridas dançam ao vento e um som estranho ecoa pelas ruelas: clac, clac, clac. Não, não é uma obra noturna, mas sim milhares de martelos de plástico que batem alegremente em cabeças consentidas. Bem-vindo à Festa de São João, um dos eventos mais esperados do ano em Portugal, e sem dúvida a confusão mais alegre que verá na sua vida !
Uma festa popular, não um postal
Poderíamos pensar num folclore parado no tempo, numa daquelas tradições que sobrevivem apenas para os turistas. Errado.
A Festa de São João, no Porto, não tem nada de encenação para o Instagram: é uma festa viva, barulhenta, desordenada e, acima de tudo, profundamente popular. É o momento em que a cidade se solta, em que os portuenses (é assim que se chamam os habitantes do Porto) esquecem a seriedade do dia a dia por alguns dias de pura felicidade coletiva (e com razão!).
Apesar de ser celebrada há séculos (há registos desde o século XIV), não perdeu nada da sua frescura. Aliás, no Porto não se diz “vamos à São João”, diz-se antes “vamos fazer o São João”, como quem diz “vamos festejar”, a sério.
O ritual do martelo (e alguns galos na cabeça, às vezes)
Então, falemos desses famosos martelos de plástico. A sua origem? Uma história um pouco vaga, a meio caminho entre o acaso comercial e a malícia portuguesa.
No início, batia-se gentilmente com… molhos de alho-porro, símbolo de fertilidade e boa saúde. Depois, nos anos 60, um fabricante de brinquedos do Porto terá tido a ideia de substituir o alho-porro por um martelo de plástico colorido, equipado com um apito. Sucesso imediato: o objeto tornou-se um ícone, as crianças adoraram, os adultos também (exceto pelo apito) e desde então, clac clac clac, é o som do Porto em festa.
Durante a noite de 23 para 24 de junho, toda a gente participa. Os casais divertem-se, os amigos brincam alegremente, e até os desconhecidos se permitem uma pancadinha amigável na cabeça, é o único dia do ano em que isso é socialmente aceite ! Um pouco como o Carnaval, mas com mais sardinhas, mais francesinhas e menos penas.
As sardinhas, rainhas do grelhador
Ah, as sardinhas assadas… Se houvesse um cheiro para resumir Portugal no verão, seria esse.
No São João, é impossível escapar-lhe: as ruelas do bairro da Ribeira e as encostas de Gaia transformam-se num imenso churrasco ao ar livre. Por todo o lado, brasas, mesas improvisadas, garrafas de vinho verde bem frescas e famílias inteiras a grelhar, cantar e rir. Aliás, se passear pelo bairro das Fontainhas, talvez seja convidado a entrar nas casas dos moradores para provar as sardinhas (como antigamente e acredite, isso aproxima as pessoas !).
Comem-se as sardinhas sobre uma fatia de pão, às vezes de pé, muitas vezes com os dedos cheios de azeite e o coração cheio de alegria. É simples, convivial e sem artifícios… tal como o Porto.
Balões, fogueiras e desejos suspensos
Na noite de São João, o Porto ilumina-se. Balões multicoloridos flutuam sobre as cabeças, presos a fios estendidos entre os edifícios. Alguns são feitos à mão, outros de papel fino, prontos a subir ao céu.
Perto da meia-noite, antes do fogo de artifício (sim, há de tudo!), a tradição manda lançar balões de ar quente em direção às estrelas, murmurando um desejo secreto. O espetáculo é mágico: centenas de pontos luminosos a subir na noite, como uma constelação efémera nascida da festa. Nem preciso dizer o quão magnífica é a vista se estiver na ponte D. Infante durante o lançamento dos balões, um espetáculo imperdível !
Nas praias e nas praças, acendem-se também fogueiras. Os mais corajosos (ou os mais ousados) saltam por cima das chamas, três vezes seguidas, para afastar o azar e atrair a sorte. É um ritual antigo, herdado das festas pagãs do solstício de verão, em que se celebrava a luz e a fertilidade. Hoje ainda se sente o mesmo espírito: uma mistura de superstição e alegria pura, sempre com um toque de loucura.
Uma noite sem sono
O São João é também uma prova para os dorminhocos. Porque aqui, não se dorme! As festividades começam no final da tarde de 23 de junho e prolongam-se até o nascer do sol. Concertos gratuitos são organizados por toda a cidade, os bares invadem os passeios e as ruelas vibram ao som das marchas populares e dos DJs improvisados.
E à meia-noite em ponto, o céu incendeia-se: um fogo de artifício espetacular é lançado sobre o rio Douro, entre a ponte D. Luís I e as margens da Ribeira e de Vila Nova de Gaia. É O momento que todo o Porto espera. Milhares de cabeças levantadas, um segundo de silêncio, e depois um estrondo de aplausos e gritos de alegria. O fogo reflete-se na água, os sinos das igrejas tocam, e por um instante, tudo parece suspenso.
Depois, a música volta, ainda mais forte. A cidade inteira dança, ri, brinda e abraça-se. Por volta das cinco ou seis da manhã, os mais resistentes terminam a noite na praia de Matosinhos, com os pés na areia, a ver o nascer do sol. E aí, entre dois bocejos, pensa-se que se viveu algo único (e acredite, é mesmo).

© visiterporto
Uma festa de ontem e de hoje
O que torna o São João tão bonito é o seu equilíbrio entre tradição e modernidade. Os mais velhos continuam a enfeitar as varandas com cravos e manjericos, essas pequenas plantas aromáticas que se oferecem a quem se ama, acompanhadas de um poema. Os mais jovens, por sua vez, acrescentam o seu toque: playlists animadas, street food, fotografias instantâneas partilhadas nas redes sociais. Mas no fundo, o coração da festa continua o mesmo : celebrar a vida juntos.
Não é preciso decoração sofisticada, programa oficial ou convite, no São João, todos são bem-vindos. Talvez seja por isso que a festa atravessou os séculos tão bem.
Um conselho de quem sabe (ou dois)
Se decidir viver o São João no Porto, aqui vão algumas recomendações úteis :
- Calçado confortável: vai andar, dançar, saltar e provavelmente correr atrás dos amigos perdidos na multidão (e as ruas do Porto não são propriamente planas, se é que me entende !).
- Paciência e boa disposição: a cidade inteira desce à rua, por isso não vale a pena tentar controlar tudo, deixe-se levar.
- Um martelo de plástico: sem ele, será um alvo fácil. Mais vale bater do que apanhar ! (mas sem exageros…)
- E sobretudo, o apetite: entre as sardinhas, as bifanas, os pães recheados e os copos de vinho verde, o seu estômago também vai dançar.
Bónus : se quiser fazer como os verdadeiros portuenses, termine a noite nas margens do Douro, a ver o sol nascer por trás das pontes. É um momento suspenso, quase poético, em que a cidade adormece suavemente depois da sua noite mais bonita do ano.
O São João é mais do que uma festa
É uma declaração de amor ao Porto. Um hino à simplicidade, à convivialidade, a essa forma tão portuguesa de festejar sem luxo nem exagero, mas com o coração aberto. Aqui, ninguém finge: moradores, turistas, crianças, avós ; todos riem, partilham, molham-se (às vezes literalmente) e esquecem o resto.
Todos os anos, no final de junho, o Porto transforma-se numa grande família. Uma família um pouco barulhenta, um pouco desordenada, mas infinitamente viva. E quando, de manhã cedo, o último balão se apaga e os martelos caem no silêncio, fica essa sensação doce : a de ter participado em algo verdadeiro. Por isso, se nunca celebrou o São João no Porto, acrescente-o à sua lista… vale mesmo a pena.
Não apenas pelos fogos de artifício ou pelas sardinhas, mas para sentir, durante uma noite, aquele calor humano que faz de Portugal muito mais do que um destino : uma emoção!
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