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Os carnavais portugueses,  de Torres Vedras a Ovar

Os carnavais portugueses, de Torres Vedras a Ovar

Fevereiro em Portugal não é apenas o mês da chuva miúda e dos cafés fumegantes. É sobretudo aquele em que todo o país se disfarça, se maquilha, dança, canta e ri até perder a voz… Porque aqui, o Carnaval não é um simples desfile! É uma instituição, uma exuberância coletiva, um alegre caos bem organizado.

E se há dois lugares que encarnam esta doce loucura à portuguesa, são Torres Vedras e Ovar. Duas cidades, dois estilos, mas a mesma vontade: a de festejar sem reservas, como se o amanhã não existisse! (ou pelo menos, como se pudéssemos deixar o “ser sério” para outro dia).

Torres Vedras, o “mais português dos carnavais”

Torres Vedras, uma pequena cidade a norte de Lisboa, transforma-se todos os anos na capital nacional da desrazão. Chama-se-lhe, aliás, “o Carnaval mais português de Portugal” (sim, sim, é mesmo esse o seu apelido: o mais português dos carnavais) e não é por acaso. Aqui, nada de carros alegóricos ultra-tecnológicos nem de fatos com lantejoulas ao estilo do Rio de Janeiro! Não. Aqui celebra-se a sátira, a criatividade e, sobretudo… o engenho.

Tudo começa semanas antes da festa: os habitantes, as escolas, as associações, todos participam. Os fatos são muitas vezes feitos em casa, os materiais reciclados, e as ideias não faltam. Resultado? Desfiles coloridos, delirantes e terrivelmente inventivos. Cruzam-se políticos em papel machê, casais improváveis, super-heróis versão “low-cost”, vacas gigantes e, claro, as famosas Matrafonas (são homens disfarçados de mulheres, com perucas berrantes e saltos altos cambaleantes), símbolos incontornáveis do carnaval local!

O espírito do carnaval de Torres é uma mistura de troça e ternura. Ri-se de tudo, sobretudo do poder, dos clichés, dos defeitos do país… mas sempre com um sorriso ! É a catarse portuguesa no seu esplendor : disfarçamo-nos para dizer em voz alta o que pensamos em silêncio, e ninguém se ofende, aliás, esse é mesmo um pouco o objetivo.

E depois há esse ambiente… impossível de descrever sem o viver ! Fanfares pelas ruas, confettis até nos cabelos, música que ecoa até de madrugada. Mesmo os mais tímidos acabam por dançar. (Falo por experiência própria: é difícil resistir quando uma Matrafona nos agarra pela mão para nos fazer rodopiar no meio da multidão, é um momento bastante memorável quando penso nisso…)


Um carnaval de sátira e improvisação

O que distingue Torres Vedras é esta dimensão política e social. Há quase um século que o carnaval serve aqui de espelho mordaz da sociedade portuguesa. Os carros alegóricos satíricos parodiam as figuras do momento: políticos, estrelas de televisão, influenciadores… ninguém escapa, e é precisamente isso que se adora!

Mas atenção, tudo é feito num espírito leve. O humor português é trocista, sim, mas sempre de boa disposição. E se forem estrangeiros, preparem-se: dar-vos-ão um lugar no cortejo sem hesitar. Não é preciso falar português, basta sorrir e erguer o copo de ginjinha (ou de cerveja, conforme o bairro e a vossa vontade).

As noites do carnaval de Torres são uma mistura de festa popular e discoteca ao ar livre. As praças transformam-se em pistas de dança, os cafés em salões de baile e o riso torna-se língua universal. Às 3h da manhã, já não se sabe bem se se dança ou se se flutua, mas não importa muito, é carnaval, afinal de contas.

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Ovar, o outro coração pulsante do carnaval português

A mais de 200 km a norte, outra cidade prepara-se também para perder a cabeça : Ovar, perto de Aveiro. Se Torres é a sátira, Ovar é o espetáculo! Aqui, o carnaval ganha ares de cabaré gigante, de comédia musical e de festa popular ao mesmo tempo.

É o carnaval mais antigo de Portugal, com origens que remontam ao século XIX. E soube evoluir sem nunca perder a alma. Todos os anos, milhares de visitantes acorrem para admirar os grandes desfiles, onde a arte do traje e a coreografia atingem um nível… digamos, impressionante (é preciso viver para compreender !)

As escolas de samba locais (sim, sim, também há em Portugal) rivalizam em criatividade. Lantejoulas, plumas, sorrisos brilhantes e passos de dança milimétricos: quase parece o Rio, exceto que os dançarinos às vezes usam cachecóis e o vinho quente substitui a caipirinha (afinal, as temperaturas não são as mesmas, temos de nos adaptar!)

Mas Ovar é também uma festa profundamente comunitária. Os grupos (chamados grupos carnavalescos) preparam os fatos e as músicas com meses de antecedência. Cada bairro, cada grupo de amigos quer fazer melhor do que no ano anterior. E o resultado? Uma explosão de cores, de ritmos e de boa disposição que invade toda a cidade durante vários dias (boa sorte se tiverem o sono leve e alugarem casa mesmo na cidade!).

Dois carnavais, duas faces de Portugal

O que é fascinante é ver como estes dois carnavais contam, cada um à sua maneira, Portugal.

Torres Vedras, com a sua sátira e os disfarces feitos em casa, encarna o espírito popular, a ironia, a leveza perante as dificuldades. Ovar, com o seu sentido de espetáculo e de beleza, simboliza o outro lado da cultura portuguesa: o da emoção, do orgulho e do sentido coletivo.

E no fundo, unem-se num ponto essencial: a necessidade de celebrar a vida, custe o que custar. Portugal pode ser um país discreto, mas quando chega o carnaval, explode literalmente de alegria. É uma forma de exorcizar o quotidiano, de gozar consigo mesmo e, acima de tudo, de se reencontrar (os portugueses sabem bem como festejar!)

Pequeno guia para sobreviver ao carnaval (e aproveitá-lo ao máximo)

Alguns conselhos de amiga (testados e aprovados) se decidirem viver a experiência !

Não, não venham vestidos “normalmente”. Se vierem de jeans e ténis brancos, vão ser logo reconhecidos. E depois, é o espírito da coisa (é bem mais divertido). Usem uma máscara, uma peruca, uma capa… pouco importa, é um rito de integração.

Preparem-se para dançar. Em Torres como em Ovar, a música nunca pára! E é impossível (mesmo impossível, confirmo) resistir-lhe.

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Esqueçam o vosso programa… O carnaval é espontâneo! Iam voltar para casa à meia-noite? Voltarão às 4h. E felizes.

Provem tudo. As barraquinhas de rua vendem de tudo : bifanas, churros, caldo verde, ginjinha, vinho tinto (e claro, o famoso e delicioso pão de ló de Ovar!)… Não é altura para contar calorias (e na verdade, vão dançar tanto que uma coisa compensa a outra…)

Venham cedo, saiam tarde. O verdadeiro carnaval vive-se na rua, desde manhã até ao amanhecer.

E um último conselho : não levem nada demasiado a sério… Em Portugal, o carnaval é feito para rir de tudo, inclusive de si próprio, e é esse o segredo da sua magia !

Os outros carnavais a não perder

Se Torres Vedras e Ovar são as estrelas, há outras cidades que também merecem a visita :

  • Loulé, no Algarve, oferece um carnaval cheio de sol e samba, com carros alegóricos gigantes e trajes deslumbrantes.
  • Podence, no norte do país, apresenta uma versão muito mais antiga e misteriosa, com os seus Caretos (figuras mascaradas com chocalhos barulhentos), herdeiros de rituais pagãos. Um carnaval bruto, selvagem, fascinante.
  • E em Sesimbra, o carnaval ganha ares marítimos, com desfiles à beira-mar e um encanto único.

Cada região tem a sua versão, o seu folclore, a sua energia. E é isso que torna Portugal tão cativante : essa capacidade de conjugar tradição e festa, religião e sátira, nostalgia e pura alegria.

Quando a festa se torna filosofia

Ao observar estes carnavais, compreende-se algo essencial sobre Portugal: aqui, a festa não é um luxo, é uma necessidade. Num país onde durante muito tempo se aprendeu a contentar-se com pouco, celebrar torna-se um ato de resistência. Rir, dançar, disfarçar-se é também uma forma de dizer “estamos vivos, e continuamos assim”.

E talvez seja esse o verdadeiro génio do carnaval português: por detrás das máscaras, há uma verdade. A de um povo que prefere rir dos seus problemas em vez de se afundar neles. Uma alegria doce, por vezes um pouco melancólica, mas sempre sincera.

Por isso, se num dia de fevereiro ouvirem tambores, gritos e risos a ecoar de uma rua portuguesa, sigam o som (não se vão arrepender !) Vão certamente dar de caras com um cortejo improvável, plumas a voar, Matrafonas a dançar e um ar de festa que não vos vai mais largar.

E ali, copo na mão, confettis no cabelo, vão perceber porque é que, em Portugal, o carnaval não é apenas uma tradição. É um estado de espírito…


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