
Alfama não é um bairro como os outros: é o coração pulsante de Lisboa, a sua alma mais antiga e mais viva. Situado na colina que desce do Castelo de São Jorge até ao Tejo, é muitas vezes descrito como um labirinto. E não por acaso: Alfama foi moldado ao longo dos séculos pelos povos que aí se instalaram — dos Romanos aos Mouros, passando pelos marinheiros e pelas famílias populares. Cada pedra conta uma história, cada ruela guarda uma memória, cada varanda florida testemunha uma vida quotidiana ainda muito presente.
Um património milenar
O nome Alfama vem do árabe al-hamma, que significa “as fontes quentes”. Durante a ocupação moura, entre os séculos VIII e XII, o bairro era conhecido pelas suas fontes e pelos banhos públicos. As ruas sinuosas que hoje percorremos conservam esse traço árabe, com um traçado irregular pensado mais para a sombra e o frescor do que para a circulação moderna.
Ao contrário da Baixa, destruída pelo grande terramoto de 1755 e reconstruída segundo um plano ortogonal, Alfama resistiu. É o único bairro de Lisboa que manteve a sua estrutura medieval original. Perder-se em Alfama é caminhar por uma cidade anterior ao Iluminismo, anterior ao urbanismo racional, num lugar onde os séculos se sobrepõem.
Um quotidiano autêntico
Embora Alfama atraia hoje milhares de visitantes, continua a ser, antes de mais, um bairro habitado. Encontram-se os mais velhos sentados à porta de casa, as vizinhas a conversar de janela para janela, as crianças a jogar à bola nas ruelas estreitas. A roupa colorida estendida nas varandas tornou-se um dos símbolos do bairro, mas não tem nada de folclórico: é vida real, ainda hoje.
As pequenas mercearias, as tascas familiares e os vendedores ambulantes mantêm viva uma economia de proximidade. Comprar sardinhas assadas na rua ou tomar um café num bar sem letreiro é partilhar um ritual que atravessou gerações.
O Castelo de São Jorge: o protetor de Alfama
No topo da colina, o Castelo de São Jorge domina o bairro e vigia a cidade. Fortaleza medieval, foi sucessivamente residência real, quartel e prisão. As suas muralhas oferecem hoje uma vista panorâmica de 360° sobre Lisboa: a Baixa, o rio, a Ponte 25 de Abril e, em dias claros, as colinas em redor.
Para os habitantes de Alfama, o castelo é mais do que um monumento: é o símbolo do bairro, a lembrança de um passado de lutas e resistências. Descer depois às ruelas de Alfama é compreender como a cidade se organizou à sombra desta fortaleza.
Um bairro de fé e tradições
Alfama está profundamente marcada pela espiritualidade. A sua catedral, a Sé, é um dos monumentos mais antigos de Lisboa. Construída no século XII, combina a austeridade românica com acrescentos góticos posteriores. Mais abaixo, as igrejas de Santo Estêvão e de São Miguel marcam o ritmo da vida religiosa local, especialmente durante as procissões.
Mas a fé de Alfama é também popular e festiva. Expressa-se nas festas de rua, nos altares improvisados nos cantos das ruelas, nas velas acesas diante das imagens dos santos. É uma religiosidade simples, enraizada no quotidiano, onde o sagrado e o profano se misturam sem se contradizerem.

O fado: a voz de Alfama
Nenhum outro bairro simboliza tanto o fado como Alfama. Nascido nas tabernas e nas casas modestas, este canto melancólico conta as alegrias, as tristezas e a nostalgia dos seus habitantes. Ouvir fado em Alfama é sentir a saudade no seu ambiente original.
Muitas casas de fado recebem visitantes à noite. Numa sala acolhedora, um cantor ou uma cantora interpreta melodias comoventes, acompanhado pela guitarra portuguesa. O silêncio do público, a emoção nas vozes e a intimidade do espaço criam uma experiência única. Diz-se muitas vezes que, em Alfama, o fado não se ouve apenas — vive-se.
Alfama hoje: entre autenticidade e modernidade
Como muitos bairros históricos, Alfama enfrenta o desafio do turismo em massa. As casas abandonadas foram restauradas, algumas transformadas em alojamentos, outras em cafés ou galerias de arte. Esta nova dinâmica salvou edifícios da ruína, mas também provocou o aumento das rendas e a saída de alguns moradores antigos.
Apesar de tudo, Alfama mantém uma autenticidade rara. Ao amanhecer, antes da chegada dos visitantes, ainda se ouvem as conversas nas escadas, o som das panelas nas cozinhas, o pregão do vendedor ambulante. E mesmo quando as ruelas se enchem, o bairro conserva uma atmosfera de proximidade, um calor humano que escapa à encenação turística.
As festas de Santo António
O mês de junho é o momento ideal para descobrir Alfama em toda a sua vitalidade. Por ocasião da festa de Santo António, padroeiro de Lisboa, as ruas enchem-se de grinaldas coloridas. Os moradores instalam mesas no exterior, grelham sardinhas, servem vinho tinto em copos de plástico e dançam até altas horas da noite.
Estas festas populares atraem lisboetas de toda a cidade e oferecem aos visitantes uma amostra única da convivência portuguesa. É também o momento em que Alfama afirma a sua identidade, mostrando que continua a ser um bairro popular apesar de todas as transformações.
Dicas práticas para explorar Alfama
- Perca-se de propósito: Alfama não precisa de mapa, as suas ruelas foram feitas para a improvisação.
- Use calçado confortável: as escadas e as calçadas podem cansar.
- Venha cedo de manhã: é a hora em que Alfama é mais autêntica.
- Apanhe o elétrico 28: atravessa o bairro e oferece uma perspetiva única.
- Respeite os moradores: lembre-se de que Alfama é um lugar de vida, não um cenário.
Alfama, o segredo mais vivo de Lisboa
Mais do que um bairro, Alfama é um espelho de Lisboa. Aqui concentram-se as raízes árabes, a fé cristã, as tradições populares, a música e a convivência. Encontra-se a Lisboa de ontem e a de hoje, num equilíbrio frágil mas vibrante.
Visitar Alfama é compreender que Lisboa não é apenas uma capital europeia moderna: é uma cidade onde a memória está viva, onde cada pedra fala e cada ruela tem uma história para contar. Alfama é um segredo ao ar livre que fica connosco muito tempo depois de o descobrirmos.
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