
Porque é que os portugueses gostam tanto de bacalhau se ele não existe nas suas águas?
É um dos maiores paradoxos culinários de Portugal: o país que se orgulha de ter uma das maiores zonas marítimas da Europa, quilómetros de costa atlântica e tradições de pesca ancestrais, fez do seu peixe nacional… um peixe que não existe nas suas águas. O bacalhau está ausente do mar português, mas é omnipresente na cultura, na gastronomia e no imaginário coletivo do país.
Porque é que os portugueses adotaram com tanta paixão este peixe vindo do frio? Como é que, ao longo dos séculos, ele se tornou um símbolo da identidade culinária nacional? Este artigo propõe uma viagem histórica, cultural e gastronómica para compreender este apego único.
Um peixe vindo do Norte
O bacalhau vive nas águas frias do Atlântico Norte, especialmente ao largo da Noruega, da Islândia e do Canadá. Nunca se aventura nas águas mais quentes e temperadas de Portugal.
Os primeiros contactos dos portugueses com este peixe remontam ao século XV, na época das grandes navegações. Os marinheiros portugueses, ao chegarem ao norte da Europa, descobriram o bacalhau e as suas qualidades excecionais: carne firme, saborosa e, sobretudo, fácil de conservar através do sal.

O papel do sal português
Se o bacalhau conquistou Portugal, foi também graças a um recurso local: o sal. O país possui extensas salinas, nomeadamente em Aveiro e Setúbal.
Ao combinar a pesca do Norte com o sal português, os marinheiros criaram uma aliança perfeita: o bacalhau salgado e seco (bacalhau salgado e seco). Este método de conservação permitia armazenar o peixe durante meses sem refrigeração, ideal para longas viagens marítimas e para alimentar as populações.
A religião como motor de consumo
Outro fator determinante na popularidade do bacalhau foi a religião católica. Durante séculos, a Igreja impôs muitos dias de abstinência de carne, especialmente durante a Quaresma e às sextas-feiras.
O bacalhau, fácil de conservar e de transportar, tornou-se o peixe preferido nesses dias de abstinência. Aos poucos, entrou nos hábitos alimentares até se tornar indispensável nos lares portugueses.
365 receitas… e ainda mais
Costuma dizer-se que existem 365 receitas de bacalhau, uma para cada dia do ano. Na realidade, os portugueses reivindicam hoje muito mais — alguns chegam a falar em 1 001 maneiras de o cozinhar.
Entre as mais conhecidas:
- Bacalhau à Brás: com batatas em palha, cebola e ovos.
- Bacalhau com natas: gratinado com molho de natas.
- Bacalhau à Gomes de Sá: com batatas, cebola e azeitonas.
- Bacalhau assado com batatas a murro: grelhado e servido com batatas esmagadas.
Cada família tem a sua receita preferida, muitas vezes passada de geração em geração.
O bacalhau de Natal
Falar de bacalhau em Portugal é também falar do Natal. Na noite de 24 de dezembro, chamada Consoada, a tradição dita que se sirva bacalhau cozido com batatas, couves e ovos.
Este prato simples, por vezes considerado austero, continua a ser um símbolo de partilha e tradição. Para muitos portugueses, o Natal sem bacalhau é simplesmente impensável.
O bacalhau na língua e na cultura
O bacalhau ultrapassa o domínio gastronómico e faz parte da linguagem popular.
- A expressão “ficar em águas de bacalhau” significa que algo ficou por fazer ou que não teve sucesso.
- A palavra “bacalhau” também é usada de forma informal para designar um abraço ou um aperto de mão forte.
- Diz-se por vezes que “um casamento é como o bacalhau”: pode ser feito de mil maneiras diferentes.
Estas expressões mostram o quanto o peixe está enraizado na cultura portuguesa.
Uma identidade culinária afirmada
Adotar um peixe que não existe nas próprias águas pode parecer paradoxal. No entanto, para os portugueses, o bacalhau tornou-se um verdadeiro símbolo nacional.
Ele representa:
- A engenhosidade dos marinheiros e exploradores.
- A capacidade de adaptação face às exigências religiosas e económicas.
- A convivialidade das refeições partilhadas.
O bacalhau é, ao mesmo tempo, um alimento básico, um prato festivo e um elo entre o passado e o presente.
A diáspora e o bacalhau no estrangeiro
Com a emigração portuguesa, a paixão pelo bacalhau atravessou fronteiras. Nas comunidades portuguesas em França, Luxemburgo, Suíça, Canadá ou Brasil, continua-se a cozinhar o bacalhau “como em casa”.
O bacalhau tornou-se também um produto de exportação, disponível em supermercados e mercearias portuguesas em todo o mundo.
Curiosidades e factos interessantes
- Portugal é um dos maiores consumidores de bacalhau do mundo, representando cerca de 20% do consumo global.
- Alguns portugueses brincam dizendo que o bacalhau é “o peixe mais português que existe… apesar de não nadar nas nossas águas”.
- A importância do bacalhau é tal que lhe são dedicados festivais, como a Festa do Bacalhau, em Ílhavo.
Conclusão
Embora o bacalhau não exista nas águas portuguesas, ocupa um lugar central na cultura e na gastronomia do país. Graças aos exploradores, ao sal, à religião e à criatividade culinária, o bacalhau tornou-se muito mais do que um alimento: é um símbolo da identidade portuguesa.
Eis o verdadeiro paradoxo e a riqueza de Portugal: saber transformar o que vem de fora num elemento profundamente nacional.
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